Sob o vèu dos buzios
- Aurora Oliveira
- 31 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
Ancestralidade como Terapia Espiritual
A Voz dos Búzios e o Eco da Minha Alma
Por anos, minha jornada espiritual serpenteou pelos mistérios da magia cerimonial e elemental, um labirinto de rituais precisos. Contudo, o destino sempre reserva encontros que dobram nossas crenças, revelando camadas de nós mesmos até então invisíveis. Recentemente, me rendi à sabedoria ancestral dos búzios. Foi uma entrega que mudou tudo.
Procurei o Tata M'pimpa, sacerdote da Umbanda e Tata Quimbanda, pertencente à família espiritual da Tribo da Meia-Noite. Sua presença carregava o peso de eras, e em seus olhos havia algo que transcende o comum — um portal para o abismo do invisível. Os búzios foram lançados sobre a mesa, cada peça sussurrando histórias há muito esquecidas, e em meio a este murmúrio ancestral, conheci quem sou.
Minha Pomba Gira, meu Exu e meus Orixás me foram revelados como partes de um mosaico incompleto, mas familiar, era como contemplar um espelho onde os fragmentos de minha alma finalmente se encaixavam. Percebi que não estou apenas cercada por essas forças espirituais, mas sou, de certo modo, uma extensão delas. Suas características dançam em mim como sombras sob a luz de velas, ecoando em meus gestos, escolhas e paixões. ( e isso nao é exclusivamente comigo, sera assim com você também, caro buscador do caminho).
Essa sessão foi mais do que uma leitura; foi uma terapia que transcendia os limites da mente humana, um mergulho nas profundezas do invisível. Ali, sob a guia do Tata, compreendi minha missão e caminho espiritual com clareza, como se cada pedaço do quebra-cabeça de minha vida, antes dispersos em misterios, finalmente encontrasse seu lugar.
Foi uma experiência que me trouxe não apenas respostas, mas também uma nova compreensão de mim mesma. Meus Orixás, minha Pomba Gira e meu Exu não são apenas guias; são espelhos. E através deles, vejo o reflexo de quem sou — uma ponte entre mundos, um fio tecendo o visível e o oculto.
A ideia de que somos, ao mesmo tempo, nosso próprio labirinto e o explorador que carrega a lanterna.
E, finalmente, posso afirmar: valeu a pena. Cada sombra, cada dúvida, cada passo.
No culto afro-brasileiro, a prática espiritual não é desconectada da realidade emocional e psicológica dos indivíduos. Entender Exu, Pombagira, os orixás e os ancestrais é mergulhar nas profundezas da própria psique. É compreender os próprios medos, desejos e potencialidades.
Essa jornada de autodescoberta pode ser comparada a uma terapia, onde as questões mais íntimas são trazidas à tona e trabalhadas com o auxílio das entidades e das forças espirituais.
Ancestralidade: O Alicerce da Identidade Espiritual
A ancestralidade nas religiões afro-brasileiras é um elo dinâmico entre o mundo físico e o espiritual. Os ancestrais, conhecidos como eguns, são aqueles que pavimentaram os caminhos da sobrevivência, resistência e transmissão de sabedoria. Honrá-los significa não apenas respeitar as vidas que vieram antes, mas também reconhecer que suas experiências, dores e conquistas ecoam em nossas próprias jornadas.
Nos terreiros, os rituais que evocam os ancestrais e as forças espirituais criam um espaço sagrado onde o passado e o presente se encontram. Esse reencontro com as origens proporciona um senso de pertencimento profundo. Em uma sociedade que muitas vezes promove desconexão e individualismo, a prática ancestral oferece raízes firmes, permitindo que cada indivíduo compreenda melhor sua trajetória e seu propósito.
Lembrando que egun é diferente de kiumba viu? Um dia tu também vai ser egun.
Exu e Pombagira e Orixá: A Ancestralidade que cura
Exu e Pombagira são figuras centrais no culto afro-brasileiro, e compreender sua essência é fundamental para o processo de autodescoberta. Se você ta com seu Exu e sua Pomba gira em dia, logo você está com suas polaridades em equilibrio, ou pelo menos a caminho do equilibrio.
Ao trabalhar com Exu e Pombagira, o praticante inicia um processo terapêutico de introspecção. Cada ritual, oferenda ou diálogo com essas entidades é uma oportunidade de refletir sobre si mesmo, questionar padrões de comportamento e encontrar novos caminhos para o crescimento pessoal, e crescer no mundo material.
Os orixás, divindades regentes nas religiões afro-brasileiras, representam arquétipos humanos e forças naturais. Cada orixá carrega características e energias específicas, que dialogam diretamente com os aspectos da personalidade de seus filhos, assim como o Exu e a Pomba Gira, cada um em sua particularidade.
Os rituais voltados aos orixás são momentos de conexão, introspecção e cura. Dançar para Oxalá, ofertar para Iemanjá ou louvar Xangô não é apenas uma homenagem; é uma forma de alinhar-se às energias universais que esses orixás representam, harmonizando o interior e o exterior.
A ancestralidade nas religiões afro-brasileiras é mais do que um elo com o passado. É uma prática de cura, autoconhecimento e celebração da vida. Honrar os ancestrais, evocar Exu e Pombagira, e se conectar com os orixás são atos que vão além do sagrado: são gestos de amor-próprio e transformação.
Ao entender e valorizar essas forças, encontramos não apenas um caminho para nos reconectarmos com nossas origens, mas também uma ferramenta poderosa para nos compreendermos profundamente e nos harmonizarmos com o mundo ao nosso redor. No terreiro, a terapia da alma acontece ao som do atabaque, ao toque da dança e no calor da chama ancestral que nunca se apaga.
Aurora
