A Páscoa antes da cruz: o renascimento que já existia
- Aurora Oliveira
- há 6 dias
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Muito antes de a cruz se tornar o símbolo central da Páscoa, povos antigos já celebravam essa data como um marco de transição: da morte à vida, do frio à fertilidade, do escuro à luz. A verdadeira Páscoa, que antecede o cristianismo em séculos — talvez milênios — era uma celebração profundamente ligada à natureza, aos ciclos da terra e ao renascimento simbólico que a primavera trazia.
No Oriente Médio ancestral, por volta da época do equinócio, tribos e civilizações prestavam homenagens à deusa da fertilidade. Inanna na Suméria, Ishtar na Babilônia, Astarte entre os fenícios, Ostara entre os germânicos — eram todas manifestações da Mãe Divina, a força que morria e renascia com as estações. Seus rituais marcavam o florescer da vida após o longo sono do inverno.
Essas celebrações não eram apenas ritos espirituais: eram experiências vivas. Oferendas de grãos, leite, vinho e até sangue eram entregues à terra. Cordeiros, símbolo de pureza e renovação, eram sacrificados em honra à fertilidade e à proteção da comunidade. Cânticos ecoavam sob a luz das estrelas, e as mulheres, muitas vezes consideradas as portadoras da conexão divina, conduziam procissões com flores, incensos e ervas sagradas.
Era comum que os rituais começassem ao entardecer. Acendiam-se fogueiras, e as pessoas se reuniam para compartilhar alimentos rituais e histórias ancestrais. Os ovos — símbolo universal do renascimento — eram pintados com pigmentos naturais e enterrados como oferendas ou distribuídos como presentes de bênção. Havia danças circulares, encenações do ciclo da deusa que morre e retorna ao mundo, e práticas de purificação, como banhos com ervas ou jejuns leves, para limpar o corpo e a alma antes da nova estação.
O Pesach, por sua vez — origem do termo “Páscoa” — foi instituído como uma celebração da libertação do povo hebreu da escravidão no Egito. Mas mesmo esse ritual carrega traços mais antigos: o sacrifício do cordeiro, o uso de ervas amargas, o pão sem fermento… tudo isso pode ser visto como resquícios de festas pastorais e agrícolas anteriores à própria Torá.
Quando o cristianismo surgiu e se espalhou, foi natural — e até estratégico — que muitos desses elementos fossem integrados ao novo calendário sagrado. Assim como aconteceu com o Natal, a Páscoa cristã se entrelaçou com os símbolos pagãos para transmitir sua nova mensagem: o renascimento de Cristo após a crucificação.
Mas isso não apaga a riqueza das tradições que vieram antes. Pelo contrário: amplia a percepção de que o impulso pelo renascimento, pela libertação e pela reconexão com a vida é algo universal, presente em todos os tempos e culturas.
Reconhecer as raízes da Páscoa não é negar o Cristo. É apenas lembrar que a Terra já contava essa história muito antes de ela ser escrita.
E talvez, ao olhar para trás, possamos redescobrir maneiras mais vivas, mais conectadas e mais sagradas de celebrar a vida em todas as suas formas.
